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Ninguém Suporta Positividade o Tempo Todo!

E o desabafo corporativo de hoje é: ninguém aguenta positividade o tempo todo.
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Bia Nóbrega: E o desabafo corporativo de hoje é: ninguém aguenta positividade o tempo todo. Flávia, fala a verdade, que história é essa de positividade e qual o impacto na saúde mental das pessoas dentro das organizações?

Flávia Lippi: Bom, ser positivo é muito interessante, mas viver achando que palavras bonitas e frases inspiradoras resolvem tudo, tipo “repita três vezes que você vai conquistar”, não funciona. Primeiro, porque o cérebro não opera assim. Nosso sistema cognitivo não é tão simples, e eu acredito que nem no plano espiritual isso se sustenta. Quando essa abordagem chega no ambiente de trabalho, piora muito. Você acaba distorcendo o que deveria ser uma comunicação pacífica, transformando-a em algo passivo-agressivo. Por fora, você pode estar bonitinho e educado, mas por dentro carrega um desejo silencioso de que aquilo não funcione. A positividade tóxica é, na verdade, o oposto da comunicação pacífica. A verdadeira comunicação pacífica tem como base a transparência e o esforço de entender o que está acontecendo com o outro.

Bia Nóbrega: E a positividade tóxica? Como você vê isso, Beto?

Beto Gioia: É uma agressão disfarçada com um envelope florido, né? A questão é que muitas vezes o mundo corporativo exige essa postura de positividade, e as pessoas não conseguem manter isso o tempo todo. As pessoas confundem felicidade com euforia. Felicidade não é um gol do seu time ou um momento de extravaso. Felicidade tem oscilações emocionais, e precisamos dessas variações para que ela seja sustentável. Agora, essa positividade cobrada, principalmente em certas posições, como atendimento ao cliente, onde você está em casa com seu mundo caindo, mas precisa aparecer sorrindo, é uma supressão das emoções reais. Isso é muito prejudicial, tanto para a pessoa quanto para o ambiente. Porque, inevitavelmente, essa emoção suprimida vai sair — e da pior forma, como uma panela de pressão prestes a explodir. Quando isso acontece, pode resultar em estresse, burnout ou até depressão.

Flávia Lippi: Exatamente, e aqui no Brasil temos essa tendência de distorcer as coisas. Psicologia positiva virou sinônimo de “estar sempre feliz”, o que não tem nada a ver. Criamos ambientes onde tudo tem que parecer perfeito. O líder tem que estar bem todos os dias, o time tem que estar sempre motivado, e isso simplesmente não é real.

Beto Gioia: Eu sou uma pessoa bastante positiva, as pessoas costumam dizer isso de mim. Mas, de verdade, é mais por conta da minha alegria de viver. As pessoas sentem falta do meu “bom dia” ou do meu sorriso, mas todos nós temos dias difíceis. Como a gente lida com essas emoções é o que importa. Agora, falando sobre a positividade tóxica: um dos primeiros sinais de que você está em um ambiente assim é quando você não é ouvido. O sentimento de não pertencimento é uma bandeira vermelha, seja em ambientes de positividade tóxica ou de exaustão. Se você não se sente ouvido e não sente que pertence, provavelmente está num ambiente negativo.

Flávia Lippi: A positividade tóxica anula o sentimento do outro. É o oposto da verdadeira comunicação, que envolve ouvir e validar o que o outro está sentindo. Em vez disso, você ouve frases como: “Ah, mas pelo menos você conseguiu tal coisa”. Isso é uma forma de silenciar o que o outro está tentando expressar.

Bia Nóbrega: E eu acho que isso acontece muito porque as pessoas não querem sentir a dor do outro, então jogam uma resposta superficial, como um “vai dar tudo certo”, só para encerrar a conversa.

Flávia Lippi: Exatamente! E as empresas têm muita culpa nisso também. Muitas vezes, há uma omissão dos fatos. Quando as verdades são distorcidas ou encobertas, quem já não se sente bem naquele ambiente acaba se sentindo ainda mais isolado. E isso tudo só reforça o ciclo de não pertencimento e frustração.

Beto Gioia: Isso tudo descreve perfeitamente o que vemos no mundo corporativo. Em mais de 30 anos, o que tenho percebido é que, em muitas empresas, a cultura pregada é bem diferente da cultura real. E, muitas vezes, o foco fica só em treinar as pessoas para serem mais produtivas, para terem mais “pensamentos positivos”, quando, na verdade, o problema está na cultura da empresa. Você pode treinar as pessoas o quanto quiser, mas se a cultura não mudar, elas continuarão se sentindo desajustadas e vão acabar saindo.

Flávia Lippi: Pertencimento é a grande questão da saúde mental. As pessoas precisam se sentir parte de algo. E agora, como podemos criar ambientes que valorizem a autenticidade e permitam que as pessoas sejam inteiras, com todas as suas emoções?

Beto Gioia: O mundo corporativo foi moldado em um ambiente de extrema competitividade e medo. Isso cria um ciclo vicioso onde, mesmo que a pessoa suba na hierarquia, ela acaba replicando o que aprendeu — seja sendo vítima ou opressor.

Flávia Lippi: Fiquei muito feliz quando a Organização Mundial da Saúde reconheceu o burnout como uma doença do trabalho. Isso tira o estigma de que é o indivíduo que não deu conta, quando, na verdade, o ambiente é que está tóxico. As empresas precisam criar espaços onde as pessoas possam falar como estão se sentindo, ter canais formais para isso, e não apenas focar em metas e produtividade.

Bia Nóbrega: Como a gente pode construir um ambiente saudável que não seja tóxico e valorize a autenticidade?

Flávia Lippi: Precisamos de ambientes colaborativos. Nós, como espécie, estamos biologicamente talhados para colaborar. Temos uma molécula, chamada molécula da confiabilidade, que nos impulsiona a cooperar. E ambientes colaborativos são, naturalmente, saudáveis e sustentáveis. É para lá que precisamos caminhar.

Beto Gioia: Concordo plenamente. O equilíbrio é a chave. Esse excesso de positividade é falso. As pessoas precisam de espaços onde possam ser elas mesmas, não apenas quando estão felizes, mas também nos momentos difíceis. Se não houver um espaço formal para isso, como uma conversa honesta no ambiente de trabalho, vai acabar acontecendo nos corredores, nas conversas paralelas. Todo excesso é prejudicial, e o importante é encontrar o equilíbrio que permita uma verdadeira colaboração e confiança.

Bia Nóbrega: É isso aí! Muito obrigada, Flávia e Beto, pela conversa de hoje. Até o próximo desabafo corporativo.

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